Tuesday 13 August 2019

Uma nova definição de museu

MASP, São Paulo, Brasil. (Foto: Maria Vlachou)

“O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.”

A actual definição de museu do Conselho Internacional de Museus (ICOM) serve perfeitamente aqueles profissionais de museus que sabem dar sentido a expressões como “ao serviço da sociedade” e “com fins de educação, estudo e deleite”. Serve perfeitamente aqueles profissionais de museus que não só sabem dar sentido a essas palavras, mas que sabem também como compartilhar esse significado com outros cidadãos, não especialistas, através do seu pensamento e prática.

No entanto, há já muito tempo que a actual definição de museu do ICOM não serve o sector e a sociedade em geral, já que muitos profissionais não entendem que “adquirir, conservar e investigar” não é um objectivo, um propósito em si, mas antes uma ferramenta, a fim de cumprir os propósitos mencionados na definição. Muitos museus em vários pontos do mundo têm falhado no cumprimento da sua missão (a maioria tem falhado também em estabelecer uma missão concreta), pois são dirigidos por especialistas em diversas matérias com um conhecimento, no entanto, muito limitado da museologia e uma visão ainda mais limitada em relação ao porque é que os museus existem e para quem. Em 2015, tive a oportunidade de partilhar a minha opinião em relação às contradições apresentadas por muitos concursos internacionais para directores de museus (na altura, escrevi sobre o caso italiano) quando olhamos para os requisitos anunciados e depois para o currículo das pessoas escolhidas. Ainda acredito firmemente que os conhecimentos de museologia devem ser um requisito obrigatório e não uma opção (como normalmente são), tanto para as organizações do Estado responsáveis ​​pelos museus e pelos concursos, como para aqueles que desejam dirigir instituições chamadas “museus”. O actual relacionamento e comunicação dos museus com os cidadãos em geral, e com os não-especialistas em particular, têm sido condicionados de maneira significativa, e também negativa, pela visão tradicional, conservadora e pouco inspiradora de muitas das pessoas que trabalham no sector e que dirigem essas instituições.

O ICOM criou uma comissão com o objectivo de fazer a revisão da definição actual de museu. Pessoas de todo o mundo participaram nesse processo com ideias bonitas e inspiradoras, muitas das quais não constituíam exactamente uma definição, mas que poderiam ajudar-nos a definir um quadro e a pensar melhor.

Fonte: Website ICOM

No mês passado, tivemos acesso à proposta de uma nova definição de museu. Uma votação será incluída na Assembleia-Geral Extraordinária do ICOM, que será realizada no dia 7 de Setembro em Kyoto, no Japão. A proposta é a seguinte:

“Os museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos para um diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e abordando os conflitos e desafios do presente, guardam artefactos e espécimes para a sociedade, salvaguardam diversas memórias para as gerações futuras e garantem direitos iguais e acesso igual ao património para todas as pessoas.

Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes, e trabalham em parceria activa com e para diversas comunidades para coleccionar, preservar, pesquisar, interpretar, expôr e melhorar diversas compreensões do mundo, visando contribuir para a dignidade humana e a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário."

Com base na minha primeira reação à proposta e, em seguida, alguma reflexão (também com a ajuda de colegas que partilharam os seus pontos de vista), acho que a proposta para a nova definição é:

- Demasiado longa. Ao contrário dos "ingredientes" da definição actual, ninguém será capaz de se lembrar e usar (e dizer) as muitas partes que compõem a nova definição;

- Um desejo, uma aspiração. Mais “sonhamos com museus que...” do que “esperamos que os museus...”;

- Cheia de palavras-chave (“palavrões”) e repetitiva. É sobre tudo e nada. As ideias devem ser melhor organizadas.

O ICOM UK lançou um inquérito online e muitos profissionais de museus têm reagido publicamente à proposta. Ao mesmo tempo, há uma intensa discussão, em vários países, sobre o papel dos museus na sociedade e um crescente escrutínio do que eles fazem e porquê.



As palavras de Ahdaf Soueif, que recentemente se demitiu doConselho de Administração do British Museum, ainda fazem eco na minha mente:

“O British Museum não é uma coisa boa por si só. Só é bom na medida em que a sua influência no mundo é para o bem. A colecção é um ponto de partida, uma oportunidade, um instrumento. Será que o museu o vai utilizar para influenciar o futuro do planeta e dos seus povos? (…) ”

Quão consciente é o British Museum, e todos os outros museus, que não são uma coisa boa em si mesmos, como podem estar a pensar? Quão conscientes somos todos que a maioria dos museus está longe de ser “espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos para o diálogo crítico”, como sugere a nova definição?

Há uma necessidade urgente de fazer uma declaração clara e actualizada - dirigida tanto aos profissionais dos museus como à sociedade em geral - sobre o porque é que os museus existem e para quem. Há também uma necessidade urgente de rever o perfil dos directores de museus. O próprio ICOM admitiu que a razão para a revisão da definição actual são os pontos de intersecção em constante mudança entre museus e comunidades. A sociedade do século 21 não é definitivamente a sociedade do século 20 ou 19. A sociedade do século 21 só pode ser servida por museus do século 21 e por profissionais de museus que tenham uma clara compreensão do significado de expressões como “ao serviço da sociedade” e “para fins de educação, estudo e deleite”. A sociedade do século 21 só pode ser servida por um compromisso do século XXI.


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