Monday 30 May 2011

Ministério da Cultura: conseguimos manter o debate vivo por uma segunda semana?


Lux, de Laura Vinci (Foto: Maria Vlachou)

Apesar dos nomes terem uma importância secundária quando se debatem grandes questões, mas porque têm, ainda assim, a sua importância e significado, começo por dizer que é imperativo o país ter um Ministério da Cultura e que não considero de todo convincentes os argumentos de Pedro Passos Coelho relativamente à extinção do mesmo e à colocação da Cultura sob a alçada directa do primeiro-ministro. No entanto, agradeço ao candidato do PSD a provocação que lançou, a qual resultou num interessantíssimo debate ao longo da semana que passou (ver referências no fim do post). Pessoalmente, sinto a necessidade de comentar sobre dois pontos.

O primeiro ponto tem a ver com a urgência em reformular o Ministério e todo o sector. Ou seja, em criar conteúdos para as palavras ganharem, realmente, significado. Alguns aspectos que considero importantes e prioritários:

Visão, missão, estratégia
Por esta ordem e não pela ordem contrária… O que é Cultura no mundo de hoje? Porque é importante para a vida de todos nós? Sendo a sua fruição um direito de todos, como garantir o acesso a ela? Quem produz o quê, onde e como? Quem consome o quê, onde e como? Como ultrapassar a era dos ‘guardiões’ (que insistem em ser eles a definir o quê, como e onde) para chegar à era dos 'cosmopolitas contemporâneos', abertos a várias tendências e gostos? Como criar condições para que a Cultura seja vista como um assunto de todos nós?

Profissionalização e trabalho em rede
O sector não pode continuar a ser gerido com boas intenções e amadorismo. Se se reconhece a sua importância (intrínseca, e também social e económica), é urgente admitir profissionais com sólida formação teórica e excelente experiência, assim como é urgente garantir formação profissional àqueles que querem continuar a trabalhar nele e que não a possuem. Além disso, não podemos continuar a trabalhar isolados, cada um no seu canto. É de extrema importância que os profissionais do sector procurem desenvolver e manter redes de trabalho - locais, nacionais e internacionais -, para ser garantido o indispensável intercâmbio de pessoas e ideias, assim como a partilha de práticas e experiências, que resultam no crescimento profissional e contribuem para o desenvolvimento do sector.

Gestão saudável, emancipação, sustentabilidade
Sem pretender dispensar o Estado das suas responsabilidades perante os cidadãos, produtores e consumidores de cultura, é imperativo termos clara noção da realidade. O dinheiro que o Estado pode investir não chega para tudo e para todos (sempre foi vergonhosamente pouco, mas, ao mesmo tempo, sempre se reclamou mais, sem primeiro procurar avaliar se o que se investia estava bem gasto; e também nunca alguém assumiu responsabilidades por dinheiro mal gasto…). O Estado terá que estabelecer objectivos e prioridades claros. Mas o sector não pode parar. Os modelos de gestão são vários; devemos estudá-los e procurar aquele que melhor se adequa à nossa realidade e necessidades. Há uma especificidade da Cultura, isso é verdade. Mas é igualmente verdade que os gestores culturais existem, entendem e abraçam essa especificidade.

A problemática da reformulação do Ministério e do sector não se esgota, obviamente, nestas três questões, mas são aquelas que neste momento me parecem prioritárias. São aquelas que, se forem levadas para a frente, afectarão todas as outras. E por isso, deveriam ser todas abordadas com base em princípios fundamentais (e quase permanentemente ignorados): honestidade, exigência, transparência, responsabilização, meritocracia.


O segundo ponto sobre o qual gostaria de comentar tem a ver com a necessidade de assumirmos, cada um de nós, as nossas responsabilidades e de mantermos no sector um debate permanente e aberto a todos os níveis. Não podemos continuar a apenas reagir a provocações, anúncios de cortes, nomeações, re-estruturações, etc. Estas reacções são normalmente de curtíssima duração. Passado o efeito da ‘provocação’, voltamos a adormecer ou a ficar conformados. No entanto, todas estas questões são permanentes. Na semana passada, pessoas conhecidas e respeitadas partilharam com todos nós as suas opiniões sobre uma eventual extinção do Ministério da Cultura. Mas o sector não é feito apenas dessas pessoas. É feito de muitas outras, talvez menos conhecidas, mas também inteligentes, preocupadas, informadas, intelectualmente honestas. Onde estão? Porque é que não se ouvem essas vozes (com pouquíssimas excepções)? Porque é que não alimentam o debate, não tomam posição, não exprimem a sua concordância ou discordância? As plataformas de expressão não faltam, sobretudo hoje em dia. Não são apenas os conselhos consultivos dos ‘homens da cultura’ que ajudam nas decisões políticas, todos nós deveríamos contribuir para isso. Estamos à espera de um convite para falar? Poderá nunca chegar e isso não nos desresponsabilizaria. Exprimirmos a nossa opinião é um direito, mas também um dever.


Referências da semana que passou

António Pinto Ribeiro, O Ministério dos Assuntos Culturais (Público, Ípsilon, 27.05.2011)

Cecília Folgado, 0,4% de ideias (blog Musing on Culture, 26.05.2011)

Guta Moura Guedes, Sobre o Ministério da Cultura. Ou não. (Público, 24.05.2011)

Miguel Magalhães, A extinção do ministério da Cultura (blog Rua Direita, 26.05.2011)

Público, Dez personalidades ligadas à cultura falam sobre a importância de um Ministério da Cultura (26.05.2011) - Manuel Maria Carrilho, António-Pedro Vasconcelos, Pedro Burmester, Luís Braga da Cruz, Augusto M. Seabra, Isabel Pires de Lima, Maria João Bustorff, Raquel Henriques da Silva, Miguel Lobo Antunes, Augusto Mateus
 

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