Sufragista a ser presa pela polícia em 1914. (Imagem retirada de The Independent. PA Wire/PA Images) |
O título deste post são palavras de Ghandi, citadas por Rebecca Solnit no seu livro “Hope in the dark”. Cada época tem as suas causas específicas, mas, ao mesmo tempo, podemos observar e sentir o desenvolvimento de outras, vindas de trás. Solnit lembra-nos que as fases identificadas por Ghandi desenrolam-se lentamente e também que “Os efeitos não são proporcionais às causas – não só porque causas enormes por vezes parecem ter pouco efeito, mas porque causas pequenas ocasionalmente têm consequências enormes”. (pág.61).
Tenho pensado na forma como os activistas de diferentes causas são actualmente vistos e tratados. Quando escrevi um capítulo para o livro “The activist museum” (editado por Robert Janes e Richard Sandell), lembro-me de ter optado pela definição de activismo tal como aparecia na Wikipédia, já que os dicionários que consultei na altura muitas vezes lhe davam uma nuance agressiva, violenta, que me deixava insatisfeita. A agressão ou a violência não estão ausentes, claro, mas não são a única forma de ser activista. Relembrando uma entrevista de John Berger, ouvir é um acto (e, na minha cabeça, é aqui que o activismo realmente começa, em sermos capazes de ouvir).
Tenho estado a pensar nos activistas de hoje, especialmente
depois de ler, em Fevereiro passado, o artigo chocante de George Monbiot “In a world built by plutocrats, the
powerful are protected while vengeful laws silence their critics”:
“Porque é que os manifestantes
pacíficos são tratados como terroristas, enquanto os verdadeiros terroristas
(especialmente da extrema-direita, e especialmente nos EUA) muitas vezes não
são incomodados pela lei? Porque é que, no Reino Unido, é possível agora
receber uma pena mais longa por ‘perturbação pública’ – desobediência civil não
violenta – do que por violação ou homicídio involuntário? Porque é que os
criminosos comuns são libertados mais cedo para abrir espaço em prisões
sobrelotadas, apenas para que o espaço seja reabastecido com presos políticos:
pessoas que tentam defender pacificamente um planeta habitável?”
A estas questões, alguém que viva em Portugal poderá também
acrescentar “Porque é que a sociedade portuguesa não ficou chocada ao descobrir
que mulheres activistas climáticas foram mandadas pela polícia a tirar a sua roupa?”.
Aparentemente houve uma investigação sobre as ações policiais em 2021 e uma agente
foi repreendida no início de 2023, apenas para que essas ações se repetissem em
Dezembro de 2023 (ler aqui).
Como é que consideramos isto ser “normal”? Quantos de nós sabemos o que
aconteceu desde então? Queremos saber?
Voltando ao artigo de Monbiot, o que está a ser experienciado
por activistas pacíficos em diferentes países europeus e democráticos é chocante.
O relator especial da ONU para os defensores ambientais, Michel Forst, observou
que no Reino Unido “as leis draconianas contra os protestos, sentenças massivas
e decisões judiciais que proíbem os manifestantes de explicar os seus motivos
aos júris estão a destruir ‘liberdades fundamentais’”. Mencionou também que activistas
ambientais pacíficos estão detidos sob fiança até dois anos, sujeitos a pulseiras
electrónicas, localização por GPS e recolher obrigatório, e privados das suas
vidas sociais e direitos políticos. Na Alemanha, as autoridades lançaram uma
investigação de crime organizado contra o movimento de protesto ambiental
Letzte Generation. A Itália está a utilizar leis anti-máfia contra um grupo
aliado de defensores ambientais, Ultima Generazione. Em França e nos EUA, os
manifestantes verdes pacíficos são rotulados e tratados como terroristas.
É chocante. Mas é novidade?
No seu livro “Hope in the Dark”, publicado pela primeira
vez em 2005, Rebecca Solnit refere que
“Um dos grandes choques dos
últimos anos aconteceu-me numa esquadra da polícia na Escócia, onde, tendo ido
para reportar a perda de uma carteira, dei por mim a contemplar um cartaz de
criminosos procurados: não violadores e assassinos, mas crianças com penteados
e piercings peculiares que tinham estado activas em manifestações como o
Carnaval Contra o Capital e outras brincadeiras em que os negócios normais
foram interrompidos, mas ninguém foi ferido. Então, esses eram os criminosos
que mais ameaçavam o Estado? Então o estado era frágil e nós éramos poderosos.”
(pág.30).
É esse poder, muitas vezes escondido em cantos muito
pequenos e escuros antes de chegar o momento de assumir o centro do palco, que
Solnit foca no seu livro. É aqui que podemos procurar a esperança. “A mudança
que conta na revolução ocorre primeiro na imaginação” (p.26), entre pessoas que
são ignoradas, podem parecer passivas, apenas espectadoras. E, então, chega um
momento em que “o impossível se torna possível”. (pág.27).
O papel da imaginação, a crença de que a mudança é
possível, de que outros mundos e outras realidades são possíveis, foi discutido
mais que uma vez neste blog (ver referências no final), pois acreditamos que
deveria ser central no trabalho desenvolvido por sector cultural em todos os
países. Ao mesmo tempo, os profissionais e as organizações culturais também
devem cuidar e alimentar a sua própria imaginação. Devem procurar
constantemente formas de apoiar a sociedade, de alimentar a imaginação das
pessoas, de criar espaços onde algumas dessas pessoas possam sonhar o
impossível. Não se trata de apoiar qualquer causa (de forma oportunista, apenas
para “ficar bem”), mas de fazer o que faz sentido – pela sua existência, pela
sua relevância, pela sua missão. Caso contrário, porque fazemos o que fazemos?
Como a palavra “activista” é usada por muitos de forma
depreciativa (sabem, realmente, porque
é que as sufragistas se tornaram “suffragettes” pela imprensa?), como activistas
em diferentes partes do mundo estão a ser tratados como criminosos, como muitas
pessoas os aconselham a serem “moderados” (“Tens razão, mas esta não é a forma
certa”), Rebecca Solnit faz outro lembrete: “Em 1900, a ideia de que as
mulheres deveriam ter direito ao voto era revolucionária; agora, a ideia de que
não deveríamos tê-lo pareceria louca. Mas ninguém foi pedir desculpa às
sufragistas que se acorrentaram às portas do poder, partiram todas as montras na
Bond Street, passaram longos meses na prisão, sofreram alimentação forçada e foram
demonizadas pela imprensa.” (pág.31)
“Primeiro ignoram-te. Depois riem-se de ti. Depois lutam contra
ti. No fim, tu vences.” Algumas pessoas não estão mais aqui para ver a vitória,
no entanto. Como profissionais e organizações culturais, devemos ter uma visão
e um propósito claros para podermos apoiá-los agora.
Mais neste blog:
Estamos
com as abelhas ou com os lobos?
Liberdade
para quê? Cultura para quê?
Can we listen? (Podemos ouvir?)
Vejam também a serie de debates “The Activist Museum: going deeper”,
organizada desde 2021 pela Acesso Cultura.
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