Depois disso, escrevi repetidamente tanto sobre passes
cultura, como sobre políticas de entrada gratuita (ver no final deste post). Em
2013, voltei a escrever sobre a iniciativa brasileira, que
inspirou acções semelhantes dos EUA ao Líbano. E novamente em 2016, quando
o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, anunciou que o passe cultura
(um subsídio de €500 anunciado em 2015 para cada jovem com 18 anos gastar em
produtos culturais) era uma forma de combater o extremismo islâmico… Alguns
anos mais tarde, uma colega que participou numa conferência em Nápoles disse-me
que os jovens vendiam o seu passe para comprar outras coisas. The
Art Newspaper confirma agora: “O programa também foi ofuscado por um
prolífico mercado negro, com os beneficiários a trocarem os seus passes por
telemóveis, computadores ou dinheiro.” O jornal refere ainda que, na altura em
que o programa foi anunciado, 60% dos jovens elegíveis inscreveram-se, mas
pouco antes do prazo acabar, apenas 6% tinham encontrado formas de gastar o
dinheiro. Além disso, “a maioria das cidades italianas não tem teatro, sala de
concertos, cinema ou livraria para utilizar o passe”.
Mas – apesar de todas as evidências de que estas
iniciativas simplesmente permitem “mais do mesmo”, mas não “diversidade – os
políticos adoram anunciar entradas gratuitas e passes cultura; um enorme passo,
na sua opinião (e na opinião de muitos profissionais da cultura) em direcção à
“democratização da cultura”. Nunca duvidei da importância da barreira
financeira para muitas pessoas, apenas nunca pensei que os passes-subsídios-bónus
culturais fossem a resposta.
Agora,
The Art Newspaper traz-nos mais sobre isto. O passe cultura foi a
única proposta de política cultural de Emmanuel Macron quando foi eleito em
2017, lê-se no artigo. “O custo aumentou para 260 milhões de euros por ano,
incluindo 50 milhões de euros para actividades nas escolas. Tornou-se a despesa
mais elevada do Ministério da Cultura, equivalendo ao dobro do apoio público
concedido ao Museu do Louvre.” E, em Abril, o Presidente francês afirmou que o
programa tinha tanto sucesso no seu país que deveria ser alargado a toda a
Europa.
Nos países onde não existem estudos e dados, os políticos
podem afirmar o que lhes apetecer. Em França, o órgão de auditoria do
Ministério da Cultura concluiu que “é impossível demonstrar que o programa
cumpriu a sua missão de serviço público alargando e diversificando as práticas
culturais”. De facto, o relatório, publicado em Setembro, revela que “80% dos
jovens de 18 anos beneficiaram do passe. Em dois anos e meio, 71% dos 24
milhões de utilizadores compraram livros, sendo que metade deles comprou Mangá
e banda desenhada. No geral, o sistema beneficia principalmente os adolescentes
de famílias instruídas e ricas, que já têm acesso a banda desenhada e filmes.”
Em
2011, escrevi que “Não me parece realista continuarmos a usar a
gratuitidade como um argumento em prol da democracia e da igualdade”. Mas
fazemo-lo, ainda em 2024. E esta é uma forma de os políticos e os profissionais
da cultura ignorarem as verdadeiras questões relativas ao acesso à participação
cultural; e a nossa irrelevância. Não sou contra os passes cultura, na verdade.
Sou contra os falsos argumentos que os sustentam; sou contra os seus objectivos
desonestos.
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